quinta-feira, 27 de junho de 2019

Aquele casal

Aquele casal de idosos atravessando a rua é muito mais do que apenas um homem e uma mulher de mãos dadas. É história. É um casal. Duas pessoas que misturam suas vidas. Ou quem sabe não. Se conheceram por uma rede social há umas horas e foram atravessar a rua na frente da sanepar. Num bairro industrial antigo de uma cidade normal. Não, claro que não, a intimidade com que ela fala com ele entrega muito mais. Ninguém passeia por ali. Eles estão indo ou voltando a pé. Ela balança os braços contando algumas história. Ele demonstra simpatia pelo que escuta. Será que é a primeira vez que ela conta esta história? Ou é a continuação de algo recorrente. 

Ah, ser um casal de idosos é ter a vida entrelaçada. Não há história sem o outro.

Pode ser que o outro nem esteja no cenário, ou nem possa nem saber que aquela história esteja acontecendo. Ou são história tão banais que se tornam essenciais para se ser um casal de idosos.

Os anos misturam as pessoas. Os gestos, os gostos, as ações, palavras, pensamentos, conhecimentos. Um aprendizado quase que por osmose. Às vezes não sabe algo totalmente, por que saberia. Caso precise saber mais é só ligar e perguntar. Quase que como a outra parte do cérebro. Uma rotina e convivência de contar aquilo que comprou, gastou, conheceu, leu, aprendeu. O que o gato fez, como pulou. Ou um detalhe, como gostar de pisar nas flores coloridas do ipê. E isto servir como referência para um bom dia. Um casal de idosos entende esses sentimentos um no outro. 

E tem tudo que vem em volta do casal. Será que eles têm filhos? Há as lembranças de cada um deles. Desde da gestação, aos primeiros passos, palavras, como foi naquela viagem...a primeira, lembra? O primeiro toque no mar. O carinho dos avós. A família em volta da novidade. E um descobrindo o outro. Redescobrindo. Agora além de casal, há uma mãe e um pai.

É isso. Deve ser isso! O descobrir o outro é a grande mágica do amor. Após as descobertas mais íntimas ainda se quer a companhia? 

Um casal de idosos já se descobriu o suficiente para saber isso. Até porque com uma certa idade não dá pra esconder tudo para manter as aparências. 

E como é bom descobrir. Saber o dia a dia. O lugar que gosta de ir. Onde encostar. O carinho no nariz. O que faz rir. O chocolate nos dias certos. Os livros que mais gostou. As músicas prediletas. Os filmes e personagens. Porque pensa assim ou assado. E ao mesmo tempo perceber as semelhanças. Aquela cena daquele filme que emocionou. Ou o mistério esotérico daquele livro. Entender ética e moral após debates intermináveis. Ou saber que aquela música você jamais vai gostar. Ou que os filmes preto e branco dão sono, assim como futebol. Ele deve ficar de saco cheio das novelas, dos programas de receitas. As séries? Será que eles veem séries. São um casal de idosos. Não sei. 

Mas principalmente, que um continua respirando por causa do outro. Não dá mais para viver sem o outro. A vida se entrelaçou, assim como as mãos deles ao atravessar a rua. Afinal, quem ainda atravessa as ruas de mãos dadas? 

Bem, pode ser isso. Eles parecem um casal moderno. Idosos e elegantes. Ela com o colete imitando couro. Magra. cabelos cor de bronze. Ele de cabelos brancos, jaqueta e calça jeans. Magro também, ou melhor, um pouco acima do peso. Parecem ter 2 filhos no máximo… um neto quem sabe? Pela localização e estilo, parecem ser classe média. Ixe, classe média curitibana. Ele deve ter amante. Uma? Duas? Ah, jamais se separaria da mulher para ter algo sério com as amantes. Um conservador nato. Curitibano. Provavelmente tem uma moto, até pela localização, deve ter levado a moto para arrumar. Será que esta é a primeira esposa dele? Não né? A primeira descobriu um caso dele e deu um chute na bunda, agora ele paga uma boa pensão para ela. Afinal a primeira mulher sabe de coisa demais. Quanto a esta que está com ele agora, ela não é boba não. Parece saber muito bem o que quer. Deve ter tido uns casos. Mas não foi amante dele. Não. Não se casa com amantes, elas sabem demais, pois são o próprio segredo. 

Já devem ter comprado imóveis. Um apartamento em Camboriú ou uma casa em Guaratuba? Caiobá!


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