segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Saúde Mental


 Rubem Alves  


"Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei.

Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.Eu me explico.Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se.Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.

Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham... Eram lúcidas demais para isso.Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata.Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental.Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software.

O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software.Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam.

Não se conserta um programa com chave de fenda.Porque o software é feito de símbolos e, somente símbolos, podem entrar dentro dele.Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção!

Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:
A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou... Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, "saúde mental" até o fim dos seus dias.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes.
A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música... Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago?

Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.
Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal.
Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram..."

"Sobre o tempo e a eternidade" Campinas: Ed. Papirus, 1996.

sábado, 29 de outubro de 2011

DESABAFO



Difícil passar por mais esta fase. Na verdade poucas vezes a vida foi fácil. Porém não me sinto desprivilegiada atualmente. O sofrimento agora é banal. Os sentimentos são mais intensos quando é abstrato. É pouco passar por algo assim, mas é muito chato. Porém o problema de falta de dinheiro vai além, no cerne, na base está toda a farsa deste mundo.
O material, o fútil e a capacidade que as pessoas têm, e eu incluída, de desperdiçar tanto viver com o dinheiro. Passar cada instante pensando em como ganhar. E depois (e esta parte eu não conheço muito bem) em como gasta-lo (na verdade conheço em como dividi-lo).
Mas não conheço bem esta última parte porque considero uma inverdade esta perca de tempo, É como se eu perdesse minha vida ao ficar pensando no material. Mas ao mesmo tempo preciso do básico do supérfluo para suportar o meio em que estou inserida.
Caso eu tivesse nascido pobre e fosse pobre, não desejaria o que não conheço. Poderia ser rica também, aí nem saberia o que gasto, de onde vem e pra onde vai.
Mas sou classe média, isso significa que tenho uma quantidade limitada para gastar de maneira equilibrada. E é este equilíbrio que falta. Por isso desperdiçamos nossas vidas.

Podemos viver com tão pouco. E não é sobreviver. Seria outro tipo de busca. Será que o objetivo de passar tantos anos vivos é apenas para gerar lucro (e ferrar com a previdência)?


Meu Deus, nos ilumine! Como está difícil suportar viver neste lugar. Como dói o sentimento do mundo. É triste. Pode ser que já tenha sido pior: guerras e pestes. Na verdade sempre foi ruim viver aqui. Doenças, guerras, manipulações, ambições. Eis o grande mal: a AMBIÇÃO. O ser humano nunca está satisfeito.
Conhecimento, dinheiro e poder. Ultimamente apenas o conhecimento para ganhar dinheiro e ter poder através dele (pouquíssimo nobre isso). E este é o único poder que rege este mundo atualmente. Mas apenas este mundo, não o que vai além.  O material é muito pouco e fulgaz para ser tão importante. Mas o que é a vida além deste contato com o material? Já nascemos com um corpo vindo de outro, de uma barriga alheia. A ligação está feita e estamos presos, durante toda a vida até a nossa morte.
Acredito que há possibilidades de encontrar mais tranqüilidade neste mundo, na própria terra. Sinto que viver nesta selva de pedra me enfraquece. Quem sabe o material que nasce da terra e não das mãos dos homens seja a minha energia.    
Sim, o mundo podia ser melhor se não houvesse tanta intervenção. Por que os seres humanos – pelo menos uma boa parte – precisam controlar tudo?
Sim, tem uma raça com esta necessidade. Eles são ferozes...e medrosos com o próprio corpo, não suportam o material terrestre e precisam cortar a ligação. Asfaltam ruas, enlatam as comidas e arrancam os pelos. Pinturas pululam pela pele. E o tempo? Difícil de controlar.
Mas controlado. Pois você não tem tempo de pensar nestas coisas.

Mas isto me invadiu.

E peço a DEUSA para que faça a sua parte e expulse esta raça que tanto a explora. Que a faz sentir dor.
Esta é uma guerra, e não escolhemos o lado. Isto é imposto pela Grande Mãe.
Por isso digo que a vida é difícil. Sou uma guerreira do lado da DEUSA, ou como os reles mortais falam: NATUREZA.

E por mais que seja difícil, pois temo a Deus, a guerra é contra este deus dos homens. Sim, temo em escrever isso. Mas estas palavras vêm do fundo do meu coração. São apenas nomes materiais para sentimentos.

Li histórias infantis da Bíblia. E me deu um sentimento de controle da alma, de pensamento. A história da criação que saímos do Édem porque a Eva experimentou o fruto do conhecimento do bem e do mal. Pó, sacanearam a mulher e o conhecimento. E a partir deste momento o homem começou a transformar tudo a seu favor, pois a Eva é a grande culpada por querer adquirir conhecimento. E as mulheres tiveram e muitas ainda têm o conhecimento, está dentro delas. Foi contra o conhecimento das mulheres que a igreja lutou por tantos anos. E venceu, claro! Agora, além de tudo, não temos tempo.
A cultura masculina, paternalista, invade a mulher e ao queimar o sutiã e trabalhar fora ela acredita que está sendo livre e sábia. Na verdade elas estão virando homens, com pensamentos rasos e fúteis. Elas precisam mostrar que até neste mundinho deles, somos melhores. Mas é uma bela perda de tempo. É claro que seremos melhores pois somos profundas e intensas.

Eu não consigo me ver perdendo meu tempo, a minha vida, atrás de dinheiro e poder. Não sei nem usar minhas “armas”. Queria ter um pouco. Quero, preciso acreditar mais neste deus e pedir dinheiro e poder. Não muito, ou melhor, que venha muito para eu poder pensar em outras coisas, respirar aliviada e parar de contar.
Pode ser apenas que dê certo ir viver num lugar que não seja necessário tanto dinheiro.
Peço com a minha alma, quero poder viver bem. Em contato com a Mãe Terra, com saúde e amor e o suficiente para que não soframos , e minha filha está incluída nisso. Ela está crescendo neste mundo. Precisa ter suporte para aprender a lutar também.
Que ela não sofra por dinheiro.

Quem saiba ela seja da mesma raça que eu e o pai dela


Carros, motos, caminhões...barulhos
Poxa, que mundo é este?









quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PAZ X AMOR

Esse papo de paz já me encheu o saco. Nada é feito em nome da paz. Estamos sentados na frente do PC dando curtir ou replicando uma imagem ou andando com nariz de palhaço e uma flor na mão. Realmente, sinceramente, vcs acreditam q isso vá ter algum resultado?

Aí vem uma TV me dizer que ela é minha voz em nome da paz e que para isso vai acabar com o medo. Eu to ficando louca? É isso mesmo. Não, claro que não é. Porque provavelmente vc acredite nisso, aceite e ache bonito. - Ah, que bonitinho, eles vão nos ajudar, serão a nossa voz. Imprensa, vc é o grande salvador da Patria.

E não vai adiantar eu dizer aqui, q com certeza, isso tenha algum tipo misterioso de conspiração para que sejamos um bando de tapados inertes.

Então eu também não vou dizer que esta é uma guerra perdida neste mundo. Acabou. Mas o que eu sei, e que só alguns entenderão, é que o amor é eterno, o amor não morre conosco. Eu acho, nunca morri, mas é um achar que vem lá de dentro. É quase uma certeza . Só não tenho como comprovar.

Só duas coisas: quem ama luta e tudo é valido no amor e na guerra

Então: O que mais importa é o amor! 

Ninguém quer o futuro - ELIANE BRUM



No passado, havia um futuro. Cresci acreditando que o futuro seria um tempo melhor. Meus pais cresceram acreditando que no futuro haveria um mundo melhor. Minha filha começou a duvidar do futuro. Meus netos possivelmente temerão o futuro. Não é uma mudança pequena. Não consigo avaliar com precisão o quanto isso nos modifica, mas escuto e olho e percebo que nos transforma. E imagino que seja uma transformação profunda. Esta vida em que preferimos não ter nenhuma representação de futuro. Já que qualquer representação baseada na realidade prevê a possibilidade do nosso fim. Não mais um fim do indivíduo, com a morte que nos aguarda a todos, mas o fim da espécie.

Tento lembrar no que eu acreditava nestes dias em que São Paulo está em estado de alerta, descendo aos 12% de umidade relativa do ar, e as capas de jornais mostram a nuvem de chumbo da poluição sobre os prédios e casas onde tentamos viver nossas vidas. Acabei de acordar e espirro sem parar. Nós, que sofremos de rinite alérgica, padecemos mais nestes dias. E eu já tomo antibiótico por causa de uma doença respiratória causada pela combinação de secura e contaminação do ar. Você quer sabe como será o mundo logo ali? Olhe para São Paulo. O pôr-do-sol tem exibido uma beleza assustadora. Poderia ser usado num filme de fim de mundo.

O que acreditávamos no futuro do passado? Ou pelo menos o que parte da minha geração, nascida sob o signo da chegada do homem à Lua, talvez tenha sido a última a acreditar? Que a ciência cumpriria suas promessas e nos libertaria do jugo do trabalho alienante. Além de nos garantir vida longa, juventude e bem-estar. Que teríamos todas as benesses da tecnologia sem pagar nenhum tributo ao planeta por isso. Que, seja qual fosse a nossa ideologia, por diferentes caminhos chegaríamos a um mundo em que ninguém mais fosse explorado ou passasse fome. Ninguém duvidava também que estaríamos viajando no espaço e desbravando outros planetas.

É verdade que a ficção científica desenhava um mundo muito mais sombrio e parecido com este aonde realmente chegamos – ou ainda chegaremos. De Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) a Philip K. Dick (Andróides sonham com carneiros elétricos?, no qual se baseou o filme cult de Ridley Scott, Blade Runner), Ray Bradbury (Fahrenheit 451) e outros. Mas era ficção. E tínhamos tanta certeza nas possibilidades do futuro que poderíamos ler o livro e assistir ao filme sem acreditar na imagem no espelho. O futuro, afinal, nos pertencia. Bastava depor ditadores e combater as corporações.

O que sabemos hoje é o suficiente para mudar radicalmente nosso desejo: nós gostaríamos que o futuro nunca chegasse. Diante de nós, há dificuldades de sobrevivência não apenas como indivíduo ou povo de uma nação determinada, mas como espécie. Começando, como sempre, pelos mais pobres e os mais frágeis entre nós, na geopolítica mundial e na geopolítica dentro do nosso quintal. Diante de nós se desenha uma guerra por água, alimentos contaminados e o aquecimento global. Os ditadores continuam por aí e as corporações extrapolaram as dimensões que conseguimos abarcar.

A tecnologia nos permitiu comunicação instantânea e a internet mudou para sempre nosso jeito de nos relacionar com o espaço, com o tempo e com os outros. Mas esta tecnologia espetacular faz com que o conceito de horário de trabalho tenha se tornado obsoleto e os chefes e as tarefas nos alcancem por email, torpedo e outras ferramentas que nos submetem onde estivermos, estendendo a jornada para todas as horas e confundindo espaços e limites. Mesmo os consideráveis avanços da ciência em várias áreas nos provocam desconfiança. É difícil achar que a clonagem e os transgênicos sejam apenas uma ótima notícia. E, depois da grandiosa pisada de Neil Armstrong na Lua, só conseguimos despachar umas sondinhas espaciais um pouco mais longe. Ou seja: estamos presos no planeta que exploramos além da conta. E começamos a nos sentir claustrofóbicos nele.

Assim como nos sentimos claustrofóbicos dentro de nossa própria vida. Não é a toa que tanto se fala de felicidade hoje. Este discurso da felicidade soa como um discurso do desespero. É uma noção de felicidade desconectada do real e dos sentidos dados para a vida, uma felicidade por si mesma. Afinal, torna-se difícil viver quando a melhor ideia de futuro que conseguimos ter é a quitação da casa própria depois de centenas de prestações ou a compra de uma TV com tela plana ainda maior para a Copa do Mundo no Brasil ou um carro que pode andar no deserto do Atacama, mas que vai ficar parado no trânsito da cidade.

Nossa concepção de futuro se apequenou. Restringiu-se a materialidades logo ali. Ao reduzir nossos sonhos à compra de objetos de consumo, reduzimos nossa humanidade e nossa vida. A rejeição do futuro nos ajuda a entender a mediocridade do nosso presente. E de nossas aspirações. Explica por que, ao perguntar a alguém qual é o seu desejo, esta pessoa possa responder que é um Ipad. E ninguém estranhe.

Não é curioso um monte de gente acreditar que o mundo vai acabar em 21 de dezembro de 2012 por causa da suposta profecia de um povo para o qual o fim do mundo chegou muito antes, pelas mãos dos espanhóis? Parece ser mais fácil gastar energia e teses com um fim de mundo mirabolante do que encarar que, sim, o nosso mundo pode acabar. Não por profecias, mas como consequência de nossas ações e de nossas escolhas. Não em 2012. Mas progressivamente, como já vem acontecendo.

Dá para entender por que o fim do mundo dos maias é mais palatável. Ele não depende de nós. Não precisamos nos responsabilizar por ele. Qualquer saída é mágica. Podemos continuar sendo os mesmos cretinos com relação ao meio ambiente e aos outros, porque o apocalipse cai do céu. Com a realidade do esgotamento do planeta é mais complicado. Ela exige de nós profundas mudanças de hábitos de consumo e de comportamento. Muito além de fazer uma reciclagem de lixo mais ou menos e achar que por isso estamos fazendo a nossa parte. Exige de nós um novo tipo de ser – humano – e de estar no mundo.

É verdade que o planeta está sofrendo. E uma variedade de espécies de flora e de fauna desaparece pela nossa sanha. Mas não é o planeta que vai acabar se continuarmos nesta toada. Somos nós. Tempos atrás, assisti ao documentário De volta a Bikini (National Geographic), do mergulhador Lawrence Wahba. O documentário conta o que aconteceu ao atol de Bikini, nas Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico, onde os Estados Unidos testaram armas nucleares nos anos 40 e 50. Numa exibição de seu poderio bélico, expulsaram a população e destruíram a natureza de uma forma atroz ao detonar duas bombas atômicas como as de Hiroshima e Nagasaki. Assim como a Bravo, a primeira bomba de Hidrogênio, o mais potente artefato lançado pelos EUA em sua história.

SAIBA MAIS
Passados 60 anos, o atol se recuperava, os peixes voltavam e a vida se refazia. Ao assistir ao documentário, me choquei menos com a capacidade de destruição humana, já que esta é bem conhecida. O que me chamou a atenção foi o fato de que a vida se impunha sem nós. É o que possivelmente aconteça com a Terra depois que nos matarmos. Sem nós ela se renovará e seguirá seu curso. A passagem humana será apenas um lapso de tempo – nossos milhares de anos um nada perto dos milhões em que os dinossauros dominaram o planeta como espécie. Uma história curta que ninguém vai contar.

Em uma palestra no ótimo Café Filosófico, programa da TV Cultura, a filósofa Viviane Mosé se arriscou a ser mal interpretada. Não lembro as palavras exatas, mas ela sugeria que há algo de bom no aquecimento global. Pela primeira vez algo nos une para além das convenções arbitrárias, das ideias de nação, de religião, de etnias, de ideologias e de crenças – para além de tudo o que nos divide e nos afasta. Ainda que os mais frágeis e os mais pobres sejam os primeiros a sofrer, estamos todos no mesmo planeta que se esgota pelas nossas ações. Desta vez, não vai dar para os mais ricos saírem voando numa nave espacial de luxo para um planeta novinho em folha. E, ainda que estejamos todos mortos, já que assistimos apenas ao início de um possível fim de mundo, é dos nossos descendentes que se trata. Por paradoxal que pareça, o aquecimento global nos permite olhar para o planeta e para nós como os astronautas em órbita: sem divisões.

É uma chance. Uma oportunidade de sermos melhores. Porque talvez só sendo melhores possamos voltar a ter um futuro onde ancorar. Um que valha a pena imaginar e que impulsione as ações do nosso presente. Para isso, é preciso abrir mão das várias formas de anestesia diante desta realidade. Inclusive abdicar da exigência de uma felicidade que não se conecta à vida, que só é possível alcançar por alguma droga – legal ou ilegal.

Vale a pena analisar a literatura produzida nestes tempos sem futuro – ou melhor, com um futuro que ninguém quer. A literatura de qualidade, claro – e não as catastrofistas de ocasião. Talvez o exemplo mais interessante seja A Estrada (Alfaguara), do excelente Cormac McCarthy, levada aos cinemas por John Hillcoat e já em DVD. Nele, um pai e seu filho empreendem uma jornada num mundo pós-apocalíptico. É uma fábula sobre esse tenebroso futuro sobre o qual especulamos, mas é também uma narrativa sobre a única coisa que nos salva – o amor.

Quanto mais vivo e olho o mundo, aumenta em mim a convicção de que só o amor faz sentido e dá sentido. Não este amor umbigólatra por si mesmo. Ou no máximo pelos seus. Mas o amor que só se justifica no outro, que abarca a humanidade inteira. Enquanto tentarmos salvar “o nosso”, que é o de cada um, não temos a menor chance. Desta vez, os espertos de sempre não vão se safar. Ou pelo menos não por muito mais tempo que todos os outros.

Quando é a sobrevivência da espécie que está ameaçada, não há salvação individual. Ou nos tornamos melhores todos, nos reinventamos como homens e mulheres novos a partir das necessidades de um presente que está aí ou continuaremos assistindo ao nosso fim anunciado, aceitando as progressivas limitações que já contaminam nossa vida. Estes novos homens e mulheres precisam estar conscientes da precariedade da condição humana e de sua insignificância na história do planeta. É pelo reconhecimento da fragilidade que nos une que podemos nos tornar grandes de uma maneira inédita, uma que nos permita viver e deixar viver.

Há tantos clichês, alguns até bem bonitos, sobre viver o presente. Somos povoados por orientalismos neste sentido. Mas não é simbólico. Não desta vez. Tudo o que temos agora é esse presente esticado. Já que preferimos não imaginar o futuro, alargamos o presente. Mas a questão é exatamente estar presente – no presente.

E não anestesiados de várias maneiras, como tem acontecido. Não se trata do imperativo do gozo pelo gozo, do prazer instantâneo. Não é por acaso que às vezes saímos da mesa do bar onde bebemos e alguns de nós se drogam na companhia de estranhos próximos, mas que continuam estranhos apesar do riso, com a sensação de vazio, de que nada de importante aconteceu de fato. De que por maior que tenha sido a nossa euforia e a nossa performance, não estávamos ali. Ninguém estava.

Não é isso que é estar presente no presente. Viver no presente é ser capaz de criar sentido. Escutar o outro e a si mesmo. Se arriscar a ser transformado por esse contato. Só é possível estar no presente amarrando, ao mesmo tempo, o passado e o futuro. Só é possível mudar se arriscando a estar. No presente. Ainda que às vezes doa. Há um filme muito bonito sobre a coragem de abdicar de uma vida anestesiada e se arriscar a estar no presente. Pode ser encontrado em qualquer locadora. E fala dessa geração que começou a temer o futuro. Em português, se chama “Hora de voltar” (Garden State, de Zach Braff).

Temos alguma chance se passarmos a determinar nosso estar no mundo por uma atitude amorosa com as pessoas e com o planeta. Começando pelas pequenas ações de todo dia, da relação com o motorista de ônibus e com a moça da padaria ao que realmente precisamos comprar e consumir, já que qualquer objeto tem um custo em recursos naturais e vai demorar a se decompor. Nenhum de nossos atos é impune. E agora, mais do que nunca, não é mesmo. Pagaremos o preço ainda nesta vida.

É uma transformação profunda. E que dá trabalho. Mudar é dificílimo. Acho que a maioria das pessoas vai continuar consumindo e se anestesiando loucamente. Sem nem mesmo perceber que é estranho ter de comprar água não contaminada ou ter dor no peito depois de uma caminhada, como acontece agora em São Paulo. Não tenho muita esperança. Mas me agarro à pouca que tenho. A de que mais gente desperte e esteja presente no presente. Para, quem sabe, reconquistarmos um futuro que valha a pena imaginar.



Esperança? Só após a morte!
ELIANE BRUM

Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
elianebrum@uol.com.br


 Ela tbm escreve às segundas-feiras.)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011